POR QUE A DIVERGÊNCIA É IMPORTANTE
- Rochelle Jelinek
- 13 de mar. de 2022
- 5 min de leitura

Algumas centenas de anos atrás a diversidade cognitiva – diferenças de perspectiva, ideias, experiências, formas de pensar e agir - não era importante porque os problemas eram lineares, dissociáveis e mais simples.
Hoje os problemas são complexos, numa sociedade com mudanças velozes e instáveis, o que exige construir novas formas de solucioná-los e pessoas que pensam neles de diferentes formas. Pessoas com diferentes visões ampliam e aprofundam o conhecimento e a expansão em grupo, principalmente para entender e solucionar problemas que são transdisciplinares.
Grupos homogêneos não apenas apresentam um desempenho abaixo do esperado; eles agem de maneira previsível. Ética, dedicação, inteligência, colaboração, embora preciosas, são insuficientes. Quando se está cercado por semelhantes, é provável não só que compartilhem dos seus pontos cegos, como também os reforcem. Cercados por pessoas que refletem sua visão da realidade, e cuja imagem se reflete de volta para elas, é fácil tornar-se cada vez mais confiante em julgamentos parciais ou até equivocados. E assim a incerteza torna-se inversamente proporcional à precisão.
As discussões costumam ser mais agradáveis porque as pessoas passam a maior parte do tempo concordando. Espelham as perspectivas um do outro ou aceitam a dinâmica da dominância. E embora mais propensas a erro quando se cegam nessa perspectiva espelhada, sentem-se mais confiantes. Os pontos cegos não são desafiados, por isso não conseguem vê-los. Não são expostas a outros pontos de vista, o que endossa os seus próprios. Ai reside o perigo dos grupos muito homogêneos: é mais provável que formem julgamentos que combinam confiança excessiva com erro grave. E então os vieses cognitivos que distorcem a visão da realidade são intensificados.
A dinâmica de espelhamento de raciocínio quando não há diversidade cognitiva, vale dizer, quando todos pensam do mesmo modo, reforça as suposições (que só têm um ponto de vista). Assim é que muitos grupos de indivíduos inteligentes e sábios podem se tornar conselhos organizacionais imprudentes: o problema não surge de uma pessoa específica, mas do todo que pensa igual.
Grupos com pessoas que pensam diferente têm mais debate e desacordo, porque diferentes perspectivas são levantadas. A discussão é mais franca e completa e expõe a complexidade inerente. Em grupos com diferentes pontos de vista e perspectivas, alguém pode perceber fraquezas subjacentes que em grupos homogêneos não acontece. As trocas são férteis, e as discussões, ainda que mais difíceis em função dos pensamentos divergentes, podem levar a soluções mais eficientes. Os pensamentos divergentes são importantes porque estimulam a atenção e, mesmo quando estão errados, contribuem para a detecção de pontos cegos e de novas soluções que, em geral, acabam por ser melhores.
A diversidade é essencial para resolução de problemas e para inovação – que nada mais é que novas soluções para problemas. Mas aqui não se está a falar de diversidade de gênero, raça, cor, etnias, minorias, e sim de diversidade cognitiva ou divergência de pensamento.
Para problemas simples a diversidade não é imprescindível, e uma pessoa que detém as informações necessárias consegue resolvê-lo. Já para problemas complexos, em que ninguém – por mais inteligente ou capacitado – tem todas as informações, mas um subconjunto de conhecimentos, a divergência contribui para a amplificação do conhecimento em diferentes aspectos.
Em 1942, Stanley Sedgewick, funcionário de uma empresa de contabilidade, participou de uma competição de palavras cruzadas do jornal britânico Daily Telegraph. Impressionadas com o pensamento lateral do candidato, autoridades do serviço secreto britânico o convidaram para fazer parte da equipe de Bletchey Park, que se reuniu para trabalhar na mais secreta das missões durante a 2ª guerra: desvendar os códigos nazistas da máquina de criptografia da Alemanha. O resultado da operação mudou o curso da história e encurtou a guerra.
E o que tem isso? Num pensamento tradicional, além do matemático Alan Turing (veja o filme “O Jogo da Imitação”) seriam contratados mais matemáticos e decifradores de códigos. Mas o chefe da operação percebeu que resolver um problema complexo e multidimensional precisava de diversidade cognitiva. Ele queria pensamentos divergentes, não clones. Um grupo de “vários Alan Turing” não chegaria ao mesmo resultado. Ele foi além do que parecia sensato ou “normal”. Ele incluiu na equipe um historiador, um filósofo, um professor de línguas, uma bibliotecária e outros profissionais em vários níveis intelectuais, demográficos, gênero, funções, religiões, classes sociais. Alan Turing era gay numa época em que homossexualidade era ilegal. Havia várias mulheres na equipe, quando a sociedade não estava imune ao machismo. Por que isso foi importante? Entre outros códigos decifrados, operadores alemães usavam letras de nomes das namoradas e palavrões em alemão. Não se tratava apenas de lógica e processamento de números. Quebrar códigos não se resumia a decifrar dados; era preciso entender de pessoas.
O pensamento em grupo é mais construtivo (vide a eficiência do brainstorming e do brainwriting), mas se todos os indivíduos são inteligentes e têm conhecimentos semelhantes, sendo homogêneos, sabem coisas similares e compartilham das mesmas perspectivas. São basicamente espelhos uns dos outros.
Obviamente que é reconfortante estar cercado por pessoas que pensem da mesma maneira, que reflitam nossas perspectivas, confirmem nossas ideias, nossos conceitos e preconceitos, e nossos pensamentos. Valida nossa visão de mundo. A homogeneidade de ideias é uma força gravitacional oculta que atrai semelhantes. Como seres humanos, uma de nossas necessidades é a de pertencimento. Queremos nos sentir pertencentes a um grupo de semelhantes. Nossas redes de contatos estão cheias de pessoas com visões semelhantes. Mesmo quando começam diversificadas, a osmose social vai levando a uma convergência dominante. Aristoteles já dizia que “as pessoas buscam as iguais a elas” e Platão que “pássaros da mesma plumagem andam juntos”.
Mas o perigo da conformidade cognitiva é que muitas vezes cega de outros pontos de vista existentes. A divergência é que torna possível perceber que existem outras perspectivas. A divergência é um ALERTA de que podem existir PONTOS CEGOS que a uniformidade de um grupo não está vendo.
É um paradoxo. Há grupos que se encontram, se espelham, corroboram, confirmam, refletem os pensamentos uns dos outros. Se aquecem da homogeneidade. Mas essa harmonia às vezes pode cegar, pois consolida os pontos cegos uns dos outros. E quando pessoas com pensamento similar são colocadas num grupo de tomada de decisão, tornam-se coletivamente cegas. Observa-se isso em gabinetes, escritórios de advocacia, alta hierarquia pública, grupos de executivos de empresas: uma coletânea de indivíduos inteligentes mas que, pensando igual, coletivamente tornam-se míopes.
Sábios permitem-se ouvir pensamentos divergentes, pensamentos rebeldes, pensamentos diferentes. A diversidade é necessária e a divergência é importante. Ninguém tem todas as informações e até o mais inteligente dos indivíduos tem um subconjunto de conhecimentos - e envolto nos seus vieses. A divergência pode trazer perspectivas que desafiam, ampliam, exercitam nossa mente, fazem polinização cruzada.
Veja a divergência não como um ataque ou pensamento equivocado, mas como um alerta ou como um feedback de que pode haver um ponto cego que você não viu. Não fuja ou evite quem pensa diferente. Cerque-se deles.
Um passo importante para enfrentar um problema difícil ou complexo não é aprender mais sobre o problema em si. Isso só reforça os pontos cegos.
É se afastar e perguntar: quais são as lacunas no entendimento? a homogeneidade de ideias cegou algum ponto? É preciso buscar diversidade de pensamento antes de enfrentar o problema mais a fundo.
Cerque-se de pessoas que pensam diferente. É a divergência que leva à evolução do pensamento, não a unanimidade.
“Toda unanimidade é burra.
Quem pensa com unanimidade não pensa”.
(Nelson Rodrigues)
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